O governo de São Paulo sancionou, em Setembro de 2021, uma lei que obriga condomínios residenciais e comerciais a informarem casos ou indícios de violência doméstica contra mulheres, crianças, adolescentes ou idosos. A lei, que entrou em vigor na segunda quinzena de novembro, vai exigir que síndicos ou administradores informem agressões ou suspeitas de violência em até 24 horas. Além disso, exige a fixação de cartazes, placas ou comunicados que divulguem a lei e orientem as denúncias.
Além de São Paulo, outros 15 Estados e o Distrito Federal criaram regras similares nos últimos dois anos. Apesar de ser um assunto importante, alguns especialistas apontam desafios na implementação das denúncias que vão desde garantir a segurança das vítimas e dos denunciantes, ao fato de que o governador João Doria (PSDB) vetou multa, que havia sido aprovada pela Assembleia, sob argumento de que isso não seria competência do Estado.
Dos Estados que já têm a legislação, 11 – como Distrito Federal, Bahia e Pernambuco, com penas de até R$ 10 mil – preveem multa. A ausência da sanção financeira, para juristas, limita o alcance da lei. Mas eles dizem que essas normas têm, sobretudo, função educativa, no objetivo de romper com a cultura de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.
Também tramita um projeto de lei nacional com previsão de cobrança ao síndico ou condomínio que descumprir a regra. A proposta, já aprovada no Senado, segue em tramitação na Câmara. Diante da pandemia e do isolamento social, houve alta das denúncias de violência doméstica e risco maior de subnotificação.
A lei paulista ainda será regulamentada pela Secretaria de Segurança Pública. Procurada, a pasta não deu mais detalhes sobre a implementação da regra. Para denunciar, especialistas orientam que a testemunha entre em contato com a Central de Atendimento à Mulher através do 180, Polícia Militar (190) ou Disque Direitos Humanos através do 100. Qualquer pessoa pode denunciar, mas no caso da nova Lei, síndicos são obrigados a cumprir esse papel.
Susto
Sirlei Damasio Barbosa, síndica de dois condomínios em Jundiaí (SP), enfrentou situação de violência entre moradores. Ela conta que o ex-marido de uma vizinha, de madrugada, conseguiu entrar no condomínio, pois a moradora havia esquecido de retirar o acesso dele na portaria.
Ele invadiu o apartamento e cometeu uma série de agressões contra a ex e seu atual namorado. Além de destruir o local, ameaçou matá-los com uma faca. Sirlei, que também mora no residencial, chamou a polícia e acionou a segurança patrimonial quando ouviu gritos. O porteiro, por sua vez, trancou todas as saídas do prédio até a chegada das autoridades. “Foi uma noite de terror, que só terminou com a perícia policial indo embora de manhã”, resume ela, que já viu episódios do tipo mais de uma vez e se sente insegura para agir. “Também sou mulher.”
Neste ano, Roger Prospero, síndico do Magic Condominium Resort, em Santo Amaro, zona sul da capital, fixou cartazes de incentivo à denúncia de violência doméstica e com informações sobre como agir. “Não tivemos relato de caso interno, mas nos preocupamos que as informações não cheguem por receio de denúncia”, explica ele, que também preparou disparos de informação em listas de transmissão do WhatsApp, preocupado com a alta de violência na pandemia.
Na opinião de Prospero, é preciso dar amparo aos síndicos na implementação da nova lei. “Gostaria que as autoridades públicas não se limitassem a promulgar a lei, deixando todos os envolvidos sem a devida orientação”, afirma.
Falta de multa pode atrapalhar, diz especialista
O veto do governador João Doria (PSDB) à aplicação de multa em caso de descumprimento da lei que obriga condomínios a reportarem casos de violência doméstica é vista por especialistas como uma limitação para que a norma tenha mais efeito. O governo argumentou que estipular uma sanção financeira não seria de competência estadual, mas federal.
“Incumbe à União legislar sobre normas gerais, de alcance nacional, cabendo aos Estados pormenoriza-las com fundamento em sua competência suplementar”, escreveu o governo, no documento em que explica o veto.
Elisa Costa Cruz, defensora pública no Rio, concorda com a justificativa, mas prevê dificuldades com o veto. “Se houver o entendimento que a lei se refere a Direito Civil, por criar uma obrigação ao síndico, não deveria ter sido feita no Estado de São Paulo, mas no Congresso Nacional”, diz. “O veto é ruim porque a ausência de punição deixa tudo no voluntarismo, no desejo que se realiza.”
Especialista em Direito Civil, Renato de Mello Almada também prevê limitações diante da falta de penalização financeira. “No Brasil, quando há uma lei sem previsão de sanção, ela acaba caindo no esquecimento”, afirma. “A partir do momento que temos isso enquanto regra federal, derruba-se o argumento de incompetência legislativa e se torna uma ferramenta efetiva de combate à violência doméstica”, avalia Almada. Aprovado no Senado, o projeto de lei nacional tramita na Câmara.
Já Marília Golfieri Angella, especialista em Direito da Mulher, não sente falta de multa. “A lei cumpre o papel dela de levar informação à população sobre a violência e a responsabilidade da sociedade.”
Denúncia e sigilo
Para Elisa, outros pontos negativos foram a ausência de incentivo mais forte para que outros vizinhos denunciem e uma regra de sigilo, que assegure que o condomínio, por meio do síndico ou administrador, receba a denúncia de forma anônima. “Olha o medo que as pessoas sentem. Muitas não se sentem seguras de que vão contribuir”, alerta a defensora.
*As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.